quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A Mensagem - Parte IV

  O conto "A mensagem" é baseado no universo criado por Marcelo Cassaro no seu romance Espada da Galáxia. Transformado em cenário de RPG e em histórias em quadrinhos, Espada da Galáxia nos traz a possibilidade de uma guerra entre humanos, metalianos (homens insetos biometálicos) e traktorianos (alienígenas que podem assumir o controle de outros corpos). Este conto se passa depois da chamada Guerra Traktoriana. A história deveria fechar com 6 partes, mas resolvi acrescentar a parte VII ao cronograma. Portanto, agora chegamos à metade da história.
  Anteriormente, em A mensagem: Dez anos após o fim da Guerra Traktoriana, os metalianos ainda tentam reconstruir o império. Através de um decreto, a Imperatriz Primária proíbe todas as viagens de exploração espacial. Este decreto é questionado quando a possibilidade de vida biometálica fora do planeta é encontrada por uma sonda que desaparece misteriosamente. Para descobrir o que aconteceu com a sonda, uma missão de defesa e pesquisa é montada, sendo comandada pelo recém condecorado almirante Daion Dairax.



  Parsec cruzava o espaço a uma velocidade surpreendente. Acopladas nos poros de seu couro haviam duas naceles ligadas a um motor de dobra espacial, cujo reator ficava na engenharia. O campo de força natural da bionave emitia um brilho verde garrafa e tremulava como se estivesse em chamas. Esta era uma forma muito rápida de se viajar, curvando o espaço e diminuindo a distância a ser percorrida, sem alterar o parâmetro de tempo. Embora os metalianos não compreendessem totalmente a tecnologia, faziam uso dela muito bem.
  Sentado no posto de ciências, Poltrix observava os instrumentos de navegação. Cartografia estelar era uma de suas funções como astrólogo. Nunca estivera em uma bionave antes e os instrumentos da ponte de comando não eram parecidos com os do Centro de Estudos Astrológicos. Mesmo assim, não era difícil operá-los. Apesar da alta velocidade, ele conseguia determinar exatamente para onde estavam indo. Após verificar as leituras, sua voz saiu em ondas de rádio pelas antenas do seu focinho:
  — Atingindo posição segura, próximo de onde a sonda desapareceu.
  — Parada total. — ordenou Daion, sentado no centro da ponte de comando em sua cadeira giratória.
  — Preparando-se para sair da velocidade dobra. — avisou Parlak, operando o dispositivo de dobra e as rédeas da bionave — Parada total em três... Dois... Um...
  Um grande clarão de luz surgiu no espaço quando o campo gravimétrico de dobra criado pelas naceles foi desfeito, parecendo como um relâmpago iluminando uma nuvem de tempestade. De dentro deste clarão apareceu de súbito a Parsec, primeiramente como uma imagem muito esticada e desfocada, mas se ajustou ao espaço depois de percorrer dois quilômetros enquanto reduzia a velocidade. Em seguida ficou totalmente imóvel.
  — E aí, doutora? A chapa tá esquentando muito aí embaixo? — perguntou Daion. Eles não precisavam de comunicadores, pois o rádio cruzava o vácuo do espaço normalmente. Mesmo em velocidade de dobra ou durante uma tempestade magnética não havia perda de sinal, pois as micro antenas que constituíam a pelagem da bionave serviam como receptores e transmissores do sinal. Para Daion, era como se a médica-engenheira Lora estivesse falando ao seu lado. Mesmo assim, ele precisou esperar alguns segundos para que a doutora entendesse o que ele estava querendo dizer e respondesse: — Tudo em ordem na Engenharia. O dispositivo de dobra respondeu corretamente aos comandos, os sinais vitais da Parsec estão estáveis.
  — Galera o que é que tá pegando? — perguntou Daion para seus subordinados.
  Poltrix acionou alguns controles e a tela na ponte de comando exibiu o espaço. Havia uma espécie de “mancha” nas estrelas, indicando uma possível nebulosa ou uma nuvem de poeira cósmica. O astrólogo explicou que esta era a área onde a sonda desapareceu. Sua última transmissão havia vindo destas coordenadas, mais especificamente, de dentro da “mancha”.
  — Estou captando flutuações energéticas vindas daquelas coordenadas. — informou Parlak. — O computador não descobriu ainda de qual tipo. Mas a Parsec parece não gostar.
  — Gostando ou não, vamos ter que dar uma olhada. — disse Daion — Um quarto de força à frente.
  A bionave oscilou um pouco e mesmo a contragosto, seguiu em frente. Antes mesmo de Daion solicitar que parassem, a bionave empacou dando um tranco em todos lá dentro. Depois girou sobre si mesma, com a intenção de voltar. Parlak moveu a os controles deslizantes, fazendo com que as rédeas eletrônicas fossem puxadas e a bionave voltasse na direção correta.
  — Flutuações de energia muito fortes. — relatou Parlak — perdemos nossos sensores frontais.
  — Conecte-se às antenas da própria Parsec e veja as leituras que a bionave está recebendo.
  — Não é uma poeira cósmica, nem restos de uma supernova ou traços de qualquer elemento espacial. — disse Poltrix, recebendo as leituras que o computador havia feito antes dos sensores pifarem — Seja o que for, é artificial e está jorrando de um ponto no espaço que os sensores não conseguem ver.
  — Dê a volta. — ordenou Daion.
  — Almirante! — ecoou a voz de Lora, vinda da engenharia — Acho que é algum tipo de radiação. É melhor se afastar. As leituras biológicas da Parsec estão ficando cada vez mais estranhas!
  — A Parsec já enfrentou radiação antes, doutora. — disse Daion Dairax, sem demonstrar preocupação — o campo de força dela é capaz de...
  — Não é uma radiação qualquer! — interrompeu Lora — O campo de força não está segurando e a pelagem da nave está sendo destruída. Seja o que for, é algo diferente do que ela já...
  Houve um grande chacoalhão em toda nave. Um dos painéis teria explodido em faíscas se não fosse o vácuo da cabine. Mesmo assim, os componentes internos queimaram e abriu uma rachadura nos controles. A bionave rugiu e chacoalhou, fazendo Poltrix cair do assento. A Parsec inclinou enquanto tentava sair da grande massa de energia que vinha em sua direção, fazendo com que todos tombassem para a direita. Parlak conseguiu se segurar e apertar o botão das rédeas novamente.
  As rédeas eletrônicas eram dispositivos instalados diretamente no sistema nervoso destas naves. Eles sugeriam à bionave mesma a mudança de rota, gerando um pequeno sinal elétrico. Na maioria das vezes, o sinal era inofensivo e elas obedeciam imediatamente. Durante o adestramento ou em situações de emergência, o piloto poderia mudar a potência do sinal gerando desde desconforto até dor, obrigando a mudança de rota para cessar o inconveniente.
  A “dor de cabeça” fez com que a Parsec mudasse de direção. Ela adentrou a nuvem de energia, obscurecendo a visão da tela principal por uns instantes. A doutora Lora gritou alguma coisa da engenharia, mas ninguém da ponte conseguiu entender o que era. Atrás da massa de energia havia uma forma maleável ocupando o espaço, escura e pulsante, que brilhava em cores azuis. Essa aberração cósmica era a fonte da radiação que vazava para o espaço conhecido. Com um rugido de protesto, a bionave colidiu com a forma indefinida à sua frente.
  Uma explosão forte de luz tomou a ponte de comando, envolvendo todos os tripulantes em um mar branco brilhante. A bionave foi sacudida fortemente e sentia muita dor – todos podiam perceber isso. As luzes dos painéis se apagaram quando os componentes foram queimando. Incapazes de ouvir sons, os metalianos não escutaram vozes, gritos, rangidos e sons estranhos que se formavam ao redor deles, mesmo no vácuo daquela dimensão estranha. Quando tudo terminou, a Parsec jazia inerte no espaço e a maior parte dos equipamentos estava destruída ou temporariamente desabilitada.
  — Relatório de danos! – a voz de Daion foi transmitida com a intensidade de um grito.
  — Estamos sem a força principal. — respondeu Poltrix — O painel de comunicações está quebrado e o controle de cargas e escotilhas também. Sensores inoperantes, mas o controle de navegação e o posto de ciências estão OK. Nossa posição atual mudou. Fomos movidos a uma grande distância, embora eu ainda não saiba como e nem pra onde.
  — Perdemos uma das rédeas. — disse Parlak — e a que restou está defeituosa. Os controles de movimentação não respondem e o campo de força foi desabilitado. Isso pode indicar que a bionave está gravemente ferida, inconsciente ou morta. Desculpe almirante, mas nunca vi um status assim, exceto em simuladores da Academia.
  — Almirante, é melhor vir até a engenharia. É urgente. – anunciou a doutora Lora.
  — Estou a caminho. — respondeu Daion. Depois voltou-se para os dois metalianos — Descubram onde estamos.
  A engenharia era localizada no ventre da bionave, um pouco abaixo da área de carga. Era duas vezes maior que a ponte de comando e podia ser operada por poucas pessoas. Comumente a engenharia da Parsec podia ser monitorada da ponte de comando, mas Lora preferia estar presente e mexer em cada botão, tocar cada controle com todo cuidado. Quando Daion chegou ao local viu caixas de ferramentas espalhadas pelo chão, painéis parcialmente derretidos, componentes jogados pelos cantos e mais ao lado um kit de cirurgia de emergência recém aberto. O controle médico da bionave indicava que ela recebeu tratamento recente.
  O teclado que controlava o dispositivo de dobra espacial estava chamuscado e parcialmente derretido, indicando que não seria possível entrar em dobra naquele momento. O reator ainda parecia funcionar. Daion foi encontrar com a doutora em frente a uma tela enorme, coberta de rachaduras, onde era possível ver vários tipos de gráficos.
  — Veja esses gráficos. — apontou ela.
  — As cores são bonitas, doutora. Mas pra mim significam tanto quanto serpentinas de carnaval.
  — O corpo da bionave sofreu uma compressão extrema vinda de uma forma de energia do lado de fora. Ela só não foi esmagada por que seu campo de força natural absorveu parte do impacto. Isso esgotou a Parsec, por isso ela está inconsciente neste momento.
  — Isso nunca aconteceu antes. Você pode acordá-la?
  — Posso, mas não vou. Estou mantendo-a inconsciente para que não sinta dores. Ela está morrendo.
  — Doutora, com todo respeito, você deve ter fumado uma. Só pode.
  Mesmo sem entender a piada, a engenheira-médica manteve-se firme e séria. Daion viu que ela não estava para brincadeiras. Não era preciso entender os gráficos para ver que a bionave estava em uma situação bastante delicada. Diante da mudez de seu comandante, a doutora prosseguiu:
  — A bionave foi comprimida por partículas hiperespaciais. Não sei como, mas de alguma forma, ela entrou em um buraco de minhoca e viajou pelo hiperespaço. É possível confirmar o salto pela leitura das partículas no dorso dela, embora a radiação a esta altura tenha acabado com tudo.
  — Bionaves não são fisicamente capazes de viajarem no hiperespaço. — retrucou Daion — A energia para o processo é...
  — Eu sei. Mas meu diagnóstico oficial é que a Parsec sofreu um severo trauma ao passar pelo hiperespaço através de um buraco de minhoca. Um buraco de minhoca danificado por radiação, que causou queimaduras graves em seu couro.
  — A Parsec já enfrentou radiação antes, o campo de força deveria ter aguentado! — exclamou Daion preocupado.
  Lora Lorey alterou os controles, exibindo uma molécula na tela.
  — Mas ela nunca enfrentou este tipo de energia. — disse ela apontando — Radiação talarônica.
   O que era uma missão de pesquisa acabara de se transformar em um tormento.

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