segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Conto: O Jantar Derradeiro


  Olá, pessoal! Fazia muito tempo que eu não trazia até aqui um conto de minha autoria. Este, no entanto, é bastante especial.

  Primeiro por que eu estou bastante enferrujado e ele me ajudou muito a me exercitar e me preparar para um texto que fosse bom e impactante. Confesso que não sei se atingi todas as expectativas. Segundo, este conto é baseado numa postagem do Threads

  Nessa postagem, a autora dizia estar chocada que o garoto com que ela saía tinha feito um jantar pros dois com o único intuito de transar com ela, que obviamente não aceitou e consequentemente terminou com o rapaz. Mas assim como muita coisa na internet, o bom da postagens eram os comentários:

    •   "Mulher já deveria ir pra esse tipo de encontro esperando por isso"
    •   "Eu, sendo mulher, já fiz vários jantares como o mesmo intuito"
    •   "Mulher não pode ser uma predadora, tem que ser submissa. Elas não tem o necessário pra isso"
    •   "Como não? Mulher também tem suas necessidades"
    •   "Uma vez fiz um jantar assim, mas só durei três minutos depois. Se soubesse ficava só no jantar"
    •   "Isso já aconteceu comigo também, mas fiz ela g0z4r junto"
    •   "Que mulher faz isso em três minutos?"

  Eu poderia me estender bastante sobre o assunto, mas acho que vocês entenderam. E é nessa conversa meio maluca, meio preconceituosa  que eu lhes apresento O Jantar Derradeiro.


  Eles estacionaram o carro em frente à propriedade. Os faróis iluminaram a fachada majestosa e o grande portão de ferro. Ele desceu primeiro e abriu a porta dela, que desceu com um sorriso de orelha a orelha. Não só pela gentileza dele, mas também pela imponência daquela casa. Ele então foi até o banco de trás e voltou com as mãos carregadas de sacolas do supermercado.

  - Essa casa é sua? - ela desviou o olhar, os dedos dela se contorcendo como aranhas amalucadas. 

  - Não. É de um amigo. Ele usa a propriedade como AirBnB, mas de vez em quando ele me aluga pra usar por um final de semana.

  Sorriram um para o outro. Ele chutou levemente o portão com o pé que abriu a passagem com um rangido.

  - É por aqui. - disse ele sorrindo

  


  Passaram por um jardim cheio de folhagens verdes, que em conjunto criavam a aparência de uma floresta tenebrosa. Luzes pálido amareladas saíam de cantos ocultos nas paredes, tornando o caminho menos perigoso. Ela se agarrou ao braço dele, bagunçando as sacolas penduradas, só pra sentir mais de perto o perfume que ele usava. 

  Ele pôs as sacolas no chão pra alcançar as chaves no bolso. Abriu a porta e apertou o interruptor, fazendo com que os conjuntos de luzes fossem acendendo um a um. Indicou a ela o caminho com a mão, enquanto pegava as sacolas novamente. Duas semanas de conversas no aplicativo, dois "primeiros encontros" em noites bem legais e por fim... esse jantar. Ele estava ansioso, ela estava ansiosa, mas precisavam cumprir o "protocolo" antes de fazerem aquilo que de fato vieram fazer.

  - Uaaaau - exclamou ela, totalmente boquiaberta - Essa cozinha é maior que o meu apartamento!

  Eles riram juntos.

  De fato, a cozinha era enorme. Possuía uma ilha de pelo menos dois metros de comprimento. Uma bancada exclusiva para eletrodomésticos, outra para trabalhos pesados, mais de uma pia, armários planejados, fogão por indução e um forno de tamanho industrial. A madeira escura contrastava com o piso de cerâmica absurdamente clara, além do teto cor de marfim. Uma equipe de cozinha inteira poderia trabalhar ali, sem esbarrar um no outro.


  - Aqui é seu abatedouro? - ela sorriu pra ele mordendo os lábios

  O homem voltou-se com uma interrogação no rosto. Ela explicou:

  -Sabe... um lugar para trazer mulheres e... bem... você sabe... - e completou com um gesto erótico das mãos.

  Ele ficou com as faces vermelhas e deum uma risada contida.

  - Cozinho aqui mais do que transo, se é o que quer saber - disse colocando um pouco de manteiga na frigideira que já estava sendo aquecida.

  Ele foi até ela. Puxou-a pelo queixo e a beijou, primeiramente de modo suave e então um pouco mais enérgico. Quando se separaram, o peito dela arfava. Ela então debruçou-se na bancada enquanto ele abria uma garrafa de vinho.

  Sem tirar os olhos do decote dela, ele encheu as duas taças e brindaram. Ele se afastou pra jogar alguma coisa na frigideira que chiou com voracidade. Ele voltou-se para ela e a olhou nos olhos enquanto ela ainda sorria, um sorriso branco marfim impecável.

  - Como eu disse - tornou ele bebericando um pouco do vinho - já trouxe outras mulheres aqui. Geralmente a gente janta, tomamos um vinho, nos beijamos, mas por algum razão a química não rola e elas... bem... desaparecem. Mas com outras...

  - Com outras... - ela propositalmente se debruçou ainda mais na bancada, praticamente deitando em cima dela, os joelhos apoiados na banqueta e os olhos fixos nele.


  - Às vezes a noite fica mais longa. - ele sorriu e separou o conteúdo da frigideira num prato. Depois despejou um pouco de legumes no recipiente e deixou no fogo.

    Ela ainda olhava fixamente nos olhos dele.

  - Uma vez, no entanto, demorou três minutos. - disse ele gerando dois segundos de silêncio desconfortante.

  - O que aconteceu? Você estava com pressa?

  - Não sei. Ela estava nessa mesma bancada, quase que nessa mesma posição. Havia uma tensão sexual absurda entre a gente e quando não foi possível segurar, a coisa toda aconteceu. Só que deu três minutos e tudo já tinha acabado.

  - Oh, puxa... - ela derrubou os ombros decepcionada.

  - Mas... - ele espalmou as mãos sorrindo e continuou - Ela também terminou em três minutos. Não me pergunte como. Fizemos juntos.

  Ela sorriu com um olhar de admiração.

  - Por que a gente não tenta bater esse recorde, hein? Por que não vem desse lado da bancada e mostra como você estava?

  Ele sorriu e apressou-se para ir ao encontro da garota. Sem tirar os olhos dela, ele começou a desabotoar a camisa. Ela, evitando contato visual sentou-se na banqueta com uma posição bastante receptiva. Quando ele se aproximou, ela agarrou-o pelo pescoço, sentindo mais uma vez aquele cheiro delicioso do perfume dele. Ela beijou o pescoço dele

  Então ela o mordeu antes mesmo que as presas terminassem de crescer.

  O primeiro jato de sangue atingiu em cheio a taça de vinho, a ponto de confundir-se com seu conteúdo. O sangue escorreu um pouco pelo peito dele, até que ela começou a sugar com avidez. Ele convulsionou um pouco, derrubando os frascos de tempero da bancada enquanto tentava em vão se libertar. Os olhos dele foram perdendo o brilho devagarinho, até toda vida dele desaparecer.

  Talvez ela estivesse certa. 

  Talvez aquele lugar fosse mesmo um abatedouro.

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