quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Uma cápsula para acordar - Parte II

  Antes de iniciar o conto, quero primeiro agradecer as pessoas que vieram dar uma passadinha aqui no blog (tem alguem aí??). Depois, devo lembrá-los que não existe periodicidade aqui no blog. Vou tentar atualizar sempre que possível, mas esse "sempre" não significa "todo dia" ou "toda semana". Por isso, tenham paciência.

  E peço desculpas aos fãs de Tormenta e ao escritor Leonel Caldela (@leonelcaldela): peguei o achbuld emprestado de "O Inimigo do Mundo".





  O conto fala sobre Jo-33, uma moça que vive em um mundo onde dormir (e sonhar) é absurdamente mortal - exceto para os que consomem a droga chamada de Anafalium. De repente, desperta em Jo-33 a vontade de conhecer o mundo dos sonhos. Link para a Primeira Parte: http://bit.ly/9xAY6k   

  Jo-33 não foi trabalhar naquele dia. Ela enviou um T-SMS para seu chefe informando que estava com fortes reações alérgicas a um medicamento que havia tomado junto com Anafalium. Estava estranhamento obcecada, com uma idéia martelando na cabeça como se o seu cérebro fosse uma bigorna (bing-bing-bing). Foi uma lembrança que teve durante seu último cochilo.

   Pensou em fazer uma xícara de café com leite morno (como sempre tomava assim que saía de seus cochilos), mas estava excitada demais com essa idéiazinha. Durante o cochilo, era comum que o cérebro ficasse ativo trocando informações com o inconsiente, da mesma forma que acontece com uma pessoa quando ela dorme. Mas devido ao fato do sono não ser profundo, essa troca de informação não gerava sonhos, o que ocasionalmente deixava a pessoa ciente processamento feito naquele instante.

  E um desses vislumbres agora martelava a bigorna imaginária na cabeça de Jo-33. Uma idéia. Jo-33 sentou-se em seu terminal e acessou a Grande Biblioteca. Não foi dificil localizar o nome da droga que o governo insistia em combater: achbuld. Tão logo o Anafalium foi criado, os traficantes foram rápidos o suficientes para criar uma droga baseada no mesmo composto. Mas ao contrário do medicamento, o achbuld permitia que as pessoas fossem capazes de sonhar, mesmo estando acordadas - uma coisa que o cochilo não permitia.

  Imediatamente várias pessoas começaram a consumir a droga com a esperança de voltarem a sonhar e o tráfico prosperou. O achbuld foi combatido pelo governo pois supostamente causava danos cerebrais irreversíveis. Os viciados tinham a memória afetada primeiro. Depois o organismo começava a se tornar mais resistente ao Anafalium, fazendo com que o usuário tivesse que tomar mais doses para cochilar - ou correr o risco de cair no sono profundo. Alguns viciados desistiam do Anafalium para ficar somente com o achbuld - apenas para caírem no sono e morrerem de vez. A lista dos efeitos do achbuld ainda continha demência, coma e morte cerebral. Supostamente, achbuld não deveria fazer nada bem.

  Foi nessa hora que a idéia deu sua última materlada e encontrou o linguote frio da razão (bing-bing-baaaanng). A razão fez com que sua idéia não parecesse soar tão bem assim. Nesse caso, era preciso esquentar o linguote da razão na fornalha das possibilidades, nem que pra isso ela precisasse colocar sua razão na chama das desculpas esfarrapadas.

  O martelo estava suspenso no ar, mas a idéia de sonhar ainda não.

  Ela procurou por teorias médicas falando da necessidade de sonhar do ser humano. E encontrou. Eram registros antigos, de antes da Grande Guerra acontecer. Leu que existiam vários estágios de sono que que quando o sono ficava mais profundo, entrávamos na fase REM, onde aconteciam a maior parte dos sonhos. Aprendeu que no sono REM o corpo ficava paralisado devido a liberação de glicina (um aminoácido do tronco cerebral) nos motoneurônios (neurônios de movimento). É nessa hora que o Anafalium "acorda" o usuário, fazendo com que o sono dele seja uma sucessão de cochilos.

  Jo-33 começou a sentir o metal duro e frio sendo encostado no calor das possibilidades. Então ter vontade de sonhar, vontade de conhecer um sonho real era um impulso natural. Era seu organismo querendo se libertar dessa cápsula maldita que a fazia acordar sempre que dormia. Jo-33 continuou navegando até cair em sites mais obscuros e esquecidos da Grande Rede. Aprendeu que o achbuld permitia ao cérebro armazenar fraçoes de sonho que começavam no REM, de modo mais rápido que a ação do anafalium. Assim, ao acordar, era possível que a pessoa se lembrasse do que foi sonhado.

  Com achbuld era possível sonhar sem morrer. Sentiu o metal da razão amolecer de vez na forja das possibilidades e sorriu consigo mesma.

  A idéia martelou novamente na bigorna de sua cabeça (bing-bing-bing). Com toda empolgação possível (e esquecendo do estômago que roncava vazio), ela navegou em meia dúzia de links até achar uma noticia de 3 anos atrás: "Traficante de achbuld é preso na cidade velha - Meliante portava duas dúzias de comprimidos prontos para consumo". Procurou mais um pouco e achou a notícia de sua soltura.

  Esse era o cara. Só que Jo-33 não tinha nem uma idéia de como poderia encontrá-lo. Ela era só uma funcionária pública que carimbava papéis da prefeitura todo dia. Não saía do escritório para nada além de almoçar e ir embora. Não se envolvia com ninguem e pra ser sincera, as vezes nem trabalhava. Como poderia localizar um traficante? Sem condições de fazer isso sozinha, ligou para Mac-22.

  O terminal de Mac-22 foi acionado no instante em que ele resolvia se autorizava ou não o alvará para a construção de uma lanchonete flutuante. O identificador acusou como sendo Jo-33 e ele tomou um susto.
  - Jo minha querida, como você está?
  - Nada bem - disse ela, disfarçando a voz - eu estava aqui vendo uma notícia, e então...

  Não sabia como continuar a mentira.

  - Jo, está realmente tudo bem com você?
  - Mac eu preciso encontrar achbuld.

  Mac-22 deixou cair os papéis na mesa. Uma das autorizações caiu no chão. O homem fez uma careta.

  - Sua alergia está começando a afetar sua cabeça! Onde já se viu? Achbuld é ilegal e perigoso!

  A secretária da sala parou por alguns momentos olhou para ele com uma cara estranha. Depois voltou a seus afazeres.

  - Eu sei Mac. Mas confie em mim. Por favor.
  - Jo, o que você quer que eu faça? Acha que eu tenho isso guardado na gaveta?
  - Não Mac, eu sei que não tem - ela fez uma pausa - mas sei que você conhece algumas pessoas...
  - Jo, eu não... - ele baixou o nível da voz a quase um sussurro. - Olha, o que quer que esteja fazendo não é um bom caminho para seguir, entendeu?
  - Entendi. Não vai acontecer nada. - disse Jo-33 claramente decidida do outro lado da linha.
  - Tá - Mac-22 fez uma pausa novamente. Tinha receio da amiga por os pés pelas mãos - Anota aí...

  Cinco minutos depois, Jo-33 ligava para um amigo de Mac-22, um tal de Beto-11. Ele disse que entrava em contato depois. Ela aproveitou a pausa e fez um lanche rápido - alguma coisa com frango agridoce e um copo de chá gelado. Beto-11 entrou em contato duas horas depois passando para ela um link da internet. Era um fórum pouco frequentado. Depois de alguns minutos, Jo-33 finalmente tinha um nome: Grum-44. O nome veio seguido de um número para contato.

  Ela tentou se conectar várias vezes ao numero indicado sem sucesso. Estava pensando em desistir quando seu terminal foi acionado por um número desconhecido. Ela atendeu com receio.

  - Como me achou? - disse bruscamente a voz do outro lado.
  - Com alguem na internet - disse Jo-33 com medo

  Silêncio na linha.

  - Quero um pouco de achbuld. - disse Jo-33 com voz chorosa
  - Sua imbecil! Você acaba de estragar o contato! Ainda não sei se a linha é segura! - disse a voz do outro lado, gritando tão alto que Jo-33 precisou se afastar do aparelho.
  - Eu só... - e a linha ficou muda.

  Jo-33 se xingou de idiota várias vezes. Esperou para ver se Grum-44 entrava em contato novamente, mas ele não entrou. A noite chegou e ela não se aguentava de raica por ter perdido o contato. Pensava em como poderia retornar ao palno original quando seu terminal foi acionado.

  - Presta bem atenção, vadia - disse a voz do outro lado - você vai fazer exatamente como eu estou te falando, entendeu?

  Jo-33 entendeu o recado e prestou bastante atenção nas instruções. Ela tomou um banho rápido e vestiu alguma coisa que a protegesse do frio que fazia lá fora. Trancou a casa e saiu para aquilo que seria a aventura de sua vida.



  Por enquanto é só. Provavelmente a próxima parte será a última.

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