domingo, 1 de fevereiro de 2015

Conto: "O que temos para jantar?"

  Olá, pessoal! Fazia tempo que eu não atualizava as coisas por aqui... Só para não passar em branco, deixei um conto de minha autoria. Espero que gostem!

  Correu para abrir a porta. Na euforia, só foi perceber o avental sujo e as luvas quando estava para pegar as chaves que ficavam penduradas atrás da porta.
  — Um minuto! — pediu enquanto se livrava rapidamente dessas coisas. Olhou de relance para sua futura refeição e achou melhor tampá-la. Sua mãe sempre dizia que se um visitante visse sua comida, teria que oferecê-la e ele não estava disposto a compartilhar nada.
  Enfim, voltou à porta. Abriu e recebeu o sorriso da síndica muito mais nova que ele. Ela era baixa, possuía os cabelos lisos e bem aloirados, os lábios carnudos e a pele bem clara. Eram diferentes em quase todos os aspectos: ele era negro, alto e careca. Trocaram cumprimentos, a mão desajeitada dele escondia a mão delicada dela. Ele tentou sorrir, mas acabou fazendo uma careta.
  — Posso ajudar? — respondeu ele com a voz titubeante, carregada de preocupação. Ela pareceu não perceber.
  — Conforme combinado na assembléia, estou distribuindo panfletos com a orientação da polícia e fotos dos condôminos desaparecidos. Achei melhor fazer isso pessoalmente para tranquilizar as pessoas.
  — Claro... — respondeu ele de modo meio vago. A panela com molho começou a borbulhar lá na cozinha e ele podia ouvir o tinir da tampa querendo se separar da panela por causa do vapor que o cozimento levantava. A síndica continuou:
  — Nós já não permitimos entregadores e táxis aqui no prédio e as visitas precisam ser todas registradas naquele livro que o policial deixou aqui.
  Ela sorriu, ele agarrou os folhetos e se preparou para fechar a porta, mas a garota continuou:
  — Que cheiro é esse aí?
  — Molho madeira — respondeu ele, já começando a ficar irritado — Vou preparar uma carne para mais tarde.
  A mulher começou a fazer uma série de perguntas. Vai manteiga? E alho? Combina com qualquer carne? Será que poderia dar a receita? Ela já estava praticamente dentro da sala, onde o aroma do molho se espalhava como uma praga. Se permitisse, era capaz dela ir até a cozinha e meter a colher na panela.
  — É melhor você sair — disse o homem de forma um pouco indelicada. A mulher pareceu contrariada.
  — Desculpe, pensei em só dar uma bicadinha no molho. — falou ruborizada. — Lamento pelo transtorno.
  — Eu que peço desculpas. Com essas pessoas desaparecendo no prédio, os nervos da gente ficam a flor da pele.
  Ela sorriu delicadamente, ele sorriu de vergonha.
  — Por que não vem mais tarde e jantamos juntos? Posso lhe ensinar a receita.
  Ela confirmou que sim, marcaram um horário e ele fechou a porta, mais aliviado. Tratou de ir pra cozinha ver o molho. Precisava engrossá-lo e temperar mais. Ligou o forno e o deixou esquentando, enquanto colocava as luvas e o avental sujo. Pegou o cutelo em cima da bancada e se dirigiu ao quarto, onde o homem gordo do 216-B ainda estava caído por cima da lona plástica, rodeado de seu próprio sangue.

  "Peito ou coxa?", pensou antes de descer o cutelo com força e precisão. O jantar daquela noite seria pernil.